Essa última semana, eu tenho estado com o choro engasgado. Tenho estado com muito engasgado. Muito e tanto que eu não sei se consigo organizar os pensamentos o suficiente para escrever. Vide o atraso na chegada dessa “cartinha” aí do outro lado.
Semana passada, recebi a triste notícia do falecimento do marido de uma amiga querida. Três filhos. Três meninos lindos da idade dos meus. Eu não consigo dimensionar o que seja a dor que ela está sentindo. Não consigo nem imaginar. É inimaginável, eu pensei. Inimaginável. Exceto...
Exceto que eu imagino. Muitas e muitas vezes eu já imaginei. Talvez porque a profissão do meu parceiro envolve risco de vida, eu pensei. E logo depois pensei que não. Porque não é só o meu parceiro que eu já imaginei perder. Já imaginei o que seria perder meus pais, meus filhos, meu irmão. O inimaginável? Eu já imaginei.
Não quero, claro, com isso dizer que a realidade crua e inescapável que a minha amiga hoje vive seja comparável a qualquer possível cenário imaginário do qual eu consigo me retirar num mero piscar de olhos. Não é isso. É que eu me peguei pensando, para além de se tratar de uma amiga e das similaridades das nossas vidas e da empatia naturalmente sentida diante do sofrimento de qualquer ser humano, mas principalmente de outra mãe, por que é tão fácil imaginar como seria perder quem amamos? Seria talvez porque o contrário do amor não seja o ódio nem a indiferença, e sim a morte?
Uma música do Leslie Odom Jr. (do musical Hamilton) me vem a mente. Ele canta: “O amor não discrimina entre os pecadores e os santos. Ele demanda e demanda e demanda e continuamos amando mesmo assim. Nós rimos e choramos e quebramos e cometemos nossos erros. E se há uma razão para eu estar ao lado dela, quando tantos tentaram, então estou disposto a esperar por isso. Estou disposto a esperar por isso.” Para duas estrofes depois cantar: “A morte não discrimina entre os pecadores e os santos. Ela demanda e demanda e demanda. E continuamos vivendo mesmo assim. Nós subimos e caímos e quebramos e cometemos nossos erros. E se há uma razão pela qual ainda estou vivo, quando todos que me amam morreram. Estou disposto a esperar por isso. Estou disposto a esperar por isso.”
Escute a música aqui:
Penso que, assim como na música, na vida, amor e morte não se contrapõem. Eles se justapõem. Ambos chegam e demandam, imunes a protestos, a planos, a sonhos e barganhas. Eles chegam desprovidos de pretensão. São o que são e estão entrelaçados. Todo amor que não sucumba a perda de seu ardor pelas mãos implacáveis do Tempo, seguirá o caminho de todos os outros amores que já existiram e sempre existirão. Seria então, a inevitabilidade da perda precisamente o que torna o amor um sentimento tão arrebatador? Seria o amor uma experiência abundante em vitalidade por conta da consciência que temos de sua perecibilidade? E não é curioso que nós tenhamos essa consciência de onde o amor nos leva e amemos mesmo assim?
Me deparei com um post no Instagram essa semana que aguçou minha introspeção acerca deste assunto:
Nunca haverá outra você. Ou outra eu. Ou o outro parceiro, filho, mãe, pai. Nossos amores são constelações específicas de átomos que nunca existiram antes e nunca mais se repetirão na história do universo. E tão milagrosa quanto nossa teimosia em existir diante dessa probabilidade é a nossa teimosia em amar. E o que a gente faz com esse entendimento brutal de que tudo o que amamos é insubstituível, mas será perdido? Não tenho aqui a pretensão de trazer respostas, muito menos dessas clichês e triviais, mas eu defendo que, diante da inevitabilidade do fim, a única coisa que nos resta fazer é amar ainda mais e viver ainda melhor. Diante das esmagadoras probabilidades cósmicas da inexistência, que nós saibamos atrelar significado à nossa existência.
Minha amiga, num post lindo e emocionado, escreveu ao seu parceiro: “Acho que sempre soube que só a morte nos separaria. Só não precisava ser tão cedo. (...) Será que qualquer detalhe teria mudado o desfecho?” E se qualquer variável tivesse sido diferente, quais seriam as probabilidades do fim? Se esse for um questionamento que nos ronda, suponho que tenhamos então que nos perguntar também: quais eram as probabilidades do começo? E se vocês não tivessem se conhecido? E se os seus pais não tivessem se conhecido? E se o universo primitivo tivesse esfriado uma fração de segundo mais rápido após o Big Bang? A grande maioria da energia e da matéria existente no universo nunca teve a sorte de se unir configurando um ser. E nós estamos aqui, desfrutando do privilégio imenso que é viver. A temporalidade da vida é o que faz dela ainda mais milagrosa e, talvez por isso, quando a morte chegua e demanda e demanda e demanda, nós, constelações de átomos, formadas por pura teimosia diante da probalidade de 1 em 400 trilhões, seguimos vivendo e amando mesmo assim.
Fer um abraço apertado em vc e na sua amiga! Ao ler seu texto não me resta nada mais do que acreditar que viver a vida com intensidade, sabendo da finitude e do privilégio de estar aqui, é o melhor caminho! ❤️
Abraçar e lembrar aqueles que amamos todos os dias disso também é deixar com eles essa alegria de viver e que bom que vc nos lembra sempre disso com a sua rotina linda de quem não economiza no amor com os seus e nos gestos de amor para com a gente, nos dando os caminhos para um maternar ainda mais cheio de amor (e menos culpa!).
Só você pra juntar fim e começo, morte e vida, improbabilidade e certezas de um jeito tão bonito, costurando sempre com a linha do amor. <3